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terça-feira, 31 de março de 2015

A gata performer

A minha gata tem 9 meses. É uma criança ainda. Mas eu, como qualquer mãe que ama as suas crias, desde cedo lhe comecei a ver talentos. Artista de circo, cópia de suricata, futebolista, maratonista, etc. Com o tempo fui-me apercebendo que, para ela, isso não passavam de hobbies. Cansava-se e rapidamente voltava para uma das suas mantas, onde passava horas a dormir. Farta que a gata dormisse em qualquer lado (vivemos em democracia bem sei), fiz-lhe uma caixa em papelão. Aí coloquei a manta cor-de-rosa dos 3.99€ e implorei aos deuses egípcios que se tornasse o "spot" preferido dela. Nessa noite, fechei a porta do meu quarto. Custou-me mas também gostei de pensar que ela estaria toda contente na sua nova cama...na cozinha. Quando acordei e fui, ainda a dormir, até à cozinha, deparei-me com uma caixa de papelão 50x30cm, em mil ou mais pedaços. Não gostou. Voltámos à mesma rotina. Dias depois, fez o mesmo com postais que tenho colados na parede. E durante sei lá eu quanto tempo, fez o mesmo com mais postais, revistas, talões, caixas de comida, cadernos, desenhos, etc. 
Foi então que comecei a perceber o verdadeiro talento da micha. Uma artista plástica com um conceito muito forte de performance. Adopta sempre o mesmo material, papel. O formato, cor, forma e utilidade são-lhe irrelevantes. Interessa apenas que tenham a característica de se desfazerem em flocos de neve,  Depois, o seu lado performático entra em acção. Morde, abana, rasga, perfura. Sente a raiva, a destruição, a vontade de sentir. A obra nasce e morre no mesmo momento. Também ela é a obra. A acção sobre o material. A artista retira-se. O resultado? Laivos de papel num cenário onde o espectador é envolvido. 
Nessa fase, passo-me da cabeça, grito o nome dela e tento dar-lhe uma "nalgada" (sim, uma nalgada) antes que ela se esconda. Depois, toda eu humana dominada pelo animal de estimação, pego na vassoura e na pá com ar derrotado. Porém, feliz por assistir a performances com tanta emoção...



Vivos-mortos

No seguimento do post anterior, tenho a dizer o seguinte: wow. Penso que este episódio de Walking Dead veio fortalecer as minhas palavras. Conseguimos perceber realmente a natureza das relações entre as personagens. Uma comunidade escondida entre "grandes muros" não tinha a percepção do quão selvagem o mundo se tornara lá fora. Os zombies são umas ovelhas comparados aos humanos. Um grupo que viveu tanto tempo na estrada, combatendo igualmente mortos-vivos e vivos-mortos, já está praticamente vacinado contra todas as atrocidades. Assim, tornam-se indispensáveis para qualquer pessoa que tencione sobreviver. A comunidade precisava de entender essa necessidade. Adorei o fio condutor do episódio. Os momentos de loucura, perdão, esperança, crime e as micro-histórias de cada um fizeram parte de um grande argumento para que Rick Grimes conseguisse, mais uma vez, mostrar "who's the boss". Então, os inocentes, ingénuos, inexperientes, ignorantes conseguiram, finalmente, sentir o sabor vingativo do sangue que Rick e o grupo, tantas vezes sentiram no rosto e no peito.



segunda-feira, 30 de março de 2015

Síndrome do último episódio

Hoje vai dar o último episódio da temporada 5 da série The Walking Dead. Não falta muito tempo para lhe por a vista em cima. Mas pareceu-me bem falar disso antes. Apesar de ser uma série bastante promissora ao início, sinto que acabei por acompanhá-la (até daqui a cerca de duas horas) simplesmente porque sim. Não. Não é verdade. Gosto realmente da série. Por vezes irrita-me profundamente por ser tão previsível. O que me leva a vê-la, desde 2010, é a curiosidade pelo desenvolvimento da história. Óbvio. Mas não só. Fiquei bastante satisfeita com o modo como as personagens foram exploradas. Aquilo a que alguns chamam de tempo morto em alguns episódios (onde nenhum zombie e/ou personagem morrem), eu chamo tempo ganho. Sempre gostei que o passado e vida antes do “apocalipse” das personagens fosse apresentado ao espectador. Sem isso não conseguiria entender as suas acções. O comportamento que têm em relação aos zombies é transversal a todos. Também eu fugiria/mataria num cenário daqueles. Se conseguisse. Não consigo correr muito e já me cortei a cortar pão…Contudo, as relações que desenvolvem entre si são muito ricas. Mostra-nos exactamente como elas seriam caso não precisássemos de viver atrás de máscaras, convenções e regras. A justiça aqui é crua e dura. A divisão entre os “bons” e os “maus” é profundamente marcada. Matar alguém sabendo que é o mau da fita é muito mais fácil. A consciência não pesa. Sentem-se heróis. Salvadores do grupo, porque da nação, naquele contexto, é impossível. E nós não ficamos com pena. Apenas sentamos e esperamos (alguns até rezam) para que não aconteça nada de mal (morra vá) ao nosso personagem preferido. Conhecê-los também me dá oportunidade de antever o seu comportamento. É uma série sobre os vivos. Sem saber ainda como este episódio 63 vai acabar, só me resta dizer que vou ficar, novamente, meses a imaginar o futuro daqueles desgraçados. E agora vamos à vida porque a morte é certa. 
Daryl Dixon & Judith The Walking Dead

Another Earth

Hoje deu-me para filosofar um bocadinho. Another Earth é um filme dramático que se apropria da ficção científica. Prometo não ser muito spoiler. A vida de Rhoda Williams acaba por se cruzar com a de John Burroughs devido a um acidente de carro. Sem me adiantar muito, posso afirmar que, a partir desse momento, Rhoda adoptou uma culpa (que de facto teve) e instalou-a permanentemente na sua consciência. Uma segunda Terra tinha sido descoberta. Uma excelente metáfora. A esperança de Rhoda em ter uma segunda oportunidade. Um futuro melhor, quem sabe. Mas sobretudo um passado melhor. Se na Terra 2, a sua “eu” fosse um espelho exacto, então as acções de ambas teriam sido as mesmas. E se as pessoas na Terra 2 tivessem vidas completamente diferentes das nossas? Então Rhoda não teria causado nenhum acidente. Esta possibilidade dá-lhe força suficiente para vislumbrar uma vida nova. No entanto, as respostas para ambas as questões são escassas. Vejam o filme, vale a pena.


Aquilo que me pergunto é o seguinte: o que seria melhor? Ter uma isa mirtilo a escrever estas mesmas palavras neste segundo ou uma isa mirtilo fisicamente idêntica mas a viver uma vida de amora? Às vezes acho que seria demasiado egoísta e não iria gostar, de todo, da existência de uma outra “eu”. Quem seria melhor? Que tipo de relação existiria entre nós? E odiando eu essa “eu” (uma mirtilo igual), odiar-me-ia a mim? São questões difíceis porém importantes para a existência humana. Sabemos que temos defeitos mas não somos capazes de os ver externamente. Assim seríamos. Ao tentar destruir essa “eu”, apelando às suas falhas, também estaria a anular as suas qualidades. As minhas. Talvez a opção da amora fosse melhor. Os gémeos podem dar-se bem…

Another Earth   2011 Mike Cahill

domingo, 29 de março de 2015

La Toilette

A História da Arte apresenta-nos factos acerca das obras. Inserimo-las no seu contexto histórico. Não esquecemos o seu carácter social, cultural e económico. Nem devemos. As obras artísticas são encaixadas (com razão de o serem) na História. Também lhes descobrimos as curiosidades. As qualidades. Os defeitos. Mas, uma das coisas que mais me dá prazer é olhar para uma pintura e ser capaz de lhe atribuir uma diversidade de histórias. Melhor ainda quando as consigo ver interligadas com as minhas. Assim e por alguns motivos, La Toilette de Toulouse-Lautrec, criada na boémia e fascinante Paris do final do séc. XIX, é uma das pinturas com que mais me identifico. A simplicidade e o corpo parcialmente nu sempre me cativaram. Não me interessa se era uma modelo no seu estúdio ou uma prostituta no bordel. Interessa-me, pelo contrário, o carácter quotidiano deste momento. Um momento fotográfico na vida. Na vida dela. Na minha vida. Não interessa. Independentemente dos seus traços rápidos e directos, é uma história que pode ser contada por todos. Vamos tentar?

La Toilette Henri Toulouse-Lautrec 1896

sábado, 28 de março de 2015

sexta-feira, 27 de março de 2015

I am making art

“O que é a arte?” Pergunta sem resposta. Ou, pelo menos, sem uma resposta consensual. A partir dos anos 60, grande parte dos artistas plásticos fizeram dos seus corpos uma forma de representação artística. Nesta peça, Baldessari faz movimentos com os braços enquanto, repetidamente, afirma: I am making art. Esta estranheza de gestos traduz-se na irreverência do artista. O misto de seriedade e absurdo fazem com que esta peça seja, para mim, uma das mais significativas entre o questionamento dos limites da arte.

John Baldessari I am making art 1971

quinta-feira, 26 de março de 2015

Ser Mirtilo

O sabor do mirtilo faz parte de um processo de experimentação ambíguo. 
O seu carácter amargo contrasta com o seu lado doce. 
Vive nesta dualidade sem ter culpa. 
Salta de boca em boca, ora elevando a sua acidez, ora elevando a sua doçura.
O mirtilo é difícil, complicado, doido, perturbado, sufocado. Eu também. 
O mirtilo é delicado, disposto, composto, amigo, feliz. Eu também. 
O mirtilo é uma esfera. Pequena. Grande. Não interessa. Não espera. 
Gira sobre si mesmo, enquanto partilha conteúdos assim e outros assado. 
Eu também. 
Ser um mirtilo possibilita ter várias visões do mundo. 
Sem medo, vergonha, julgamento ou snobismo. 
Enquanto o sabor do mirtilo não se torna efémero, vou tentar congelá-lo aqui, à espera de tantas outras bagas.