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domingo, 26 de abril de 2015

25 - Abril

Hoje já venho tarde. Confesso que ontem passei um feriado revolucionário longe de tudo. Longe disto. Longe Daquilo. Ali e além, Com este e com aquele. É necessário. Como o 25 de Abril e tudo aquilo que significa não me passou na pele, a minha opinião é só uma opinião. Porque não tive a felicidade de sentir uma libertação tão emocionada. Mas isso também significa que não passei pela infelicidade que lhe ficou para trás ou, por outro lado, pela euforia que o sucedeu. Não passei por nada. Estou aqui. A assistir a este mundo que, em quase nada, é diferente. Digo nada e sei que o posso dizer. Ninguém me vem prender. Mas sabemos que não é bem assim. Sabemos que a palavra ainda tem muito caminho para andar. Livrou-se de um lápis azul mas não se livrou de um leque de cores que tantas vezes a censuram. A palavra é tudo. Até quando não é escrita. Até quando não é dita. 

José Mário Branco, em 1982, cantou o seu texto FMI (de 1979). Um monólogo inquietante que se dirigia ao pós-revolução. Um desabafo poético onde os sonhos e encantos do movimento revolucionário são exaltados pela liberdade e que, ao mesmo tempo, levam à desilusão...Um retrato muito actual das nossas frustrações. Intemporal. Deixo aqui uma pequena parte do texto, onde a palavra aparece já cansada...mas tão consciente como começou.

(...) o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...

Mãe, eu quero ficar sozinho... 
Mãe, não quero pensar mais... 
Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem sequer ter que me ir embora.
Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. 
E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. 
Partir e aí nessa viagem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. 
Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... 

Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar... (...)


6 comentários:

  1. Um texto que ainda é tão actual... algo preocupante... :|
    beijinhos
    http://direitoporlinhastortas-id.blogspot.pt/

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  2. Grande texto e grandes palavras! Durante os tempos mais complicados só nos resta manter o positivismo e acreditar que melhores tempos virão!
    Já estou a seguir o blog :)

    Beijinhos
    Simply Pink

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  3. Um bom texto , nos restas sermos otimistas !

    www.nataliloure.blogspot.com

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  4. Olá Isa! Um texto que nos faz refletir em algo que é preocupante.
    Beijokas da Carol e da Camila :*

    www.vamospapear.com

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  5. Palmas pelo texto. Está soberbo!

    Isto vai ser renhido! Ainda hoje conto os votos e coloco os resultados na página do Facebook do blog :D Sim, acho que faz sentido levar o cabelo um pouco mais desgrenhado num look mais clássico. Tem de haver aquela separação para não cair no "demasiado" beto :P
    Vamos lá ver como corre :P

    InstagramFacebook Oficial PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  6. Adorei o texto! Temos mesmo de ser optimistas...nunca deixar de pensar positivo ;)

    beijinhos
    food&emotions
    http://fefoodemotions.blogspot.pt

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