É uma das questões inquietantes
que mais perturbam a mente humana. Qual a índole do ser humano? Somos, por natureza,
bons ou maus? Poucos ou até nenhuns saberão a resposta. E, quando pensamos sabê-la, caímos em respostas inconclusivas.
O
homem vive num ambiente social que o impede de libertar a “fera humana”. Não é capaz de exprimir as suas frustrações e ideias mais profundas,
macabras talvez. Vivemos de pensamentos que vão desde ajudar alguém na rua (a
boa acção) até assassinar o nosso vizinho quando, às quatro da manhã,
descarrega o autoclismo (o pensamento “enclausurado”). Isto é, há, em nós, um
instinto completamente selvagem, irracional e de pouca duração que nos leva a
querer aniquilar um terceiro. A efemeridade destes momentos torna-nos pessoas
melhores pois, rapidamente, ganhamos consciência do mal que nos traria se
cometêssemos um crime. Contudo, tudo isto acontece nas pessoas ditas normais. As outras, com problemas
que já nem a psiquiatria ou a prisão controlam, cometem os piores actos, quer
seja pelo calor do momento ou por vontade própria, quer se arrependam ou não. A verdade é que os cometem e cabe aos tribunais (é uma piada) julgar a natureza do seu
comportamento. Há factores, na vida desses seres, que jamais seremos capazes de
entender. Através dos seus crimes, percebemos a complexidade dos seus problemas
mentais. Por
esta ordem de ideias, podem-se constatar dois lados do lado “mau” do homem: o
lado perfeitamente normal, ao nível do pensamento e o lado concreto, o dos
assassinos sem causa. É como uma representação do “monstro” humano interior
controlado vs monstro real. As diferenças entre os dois são, obviamente,
enormes.
Existe,
ainda, um terceiro lado: o vingativo com causa. Aqui, é que se levantam grandes
dúvidas em relação à verdadeira intenção do sujeito. Desde sempre conhecemos
histórias de heróis que “combatem o mal e preservam o bem”. A televisão, o
cinema e a literatura sempre idolatraram este conceito chave para a criação de
novas aventuras: novos heróis e novos vilões. Assistimos a isto constantemente
no nosso dia-a-dia e, mesmo que esta fantasia trágica traga mortes e
catástrofes, nós, movidos pelo factor “monstro interior controlado”, adoramos
que seja feita justiça contra todos aqueles que prejudicam a paz humana. Até que ponto matar quem mata é
justo o suficiente para vivermos melhor em sociedade? Declaro-me fã da série televisiva americana “Dexter”,
cujo protagonista veste a pele de um técnico forense especializado em sangue na
polícia de Miami. A sua “missão” é matar todos aqueles que escapam à lei.
Assim, servindo-se do seu emprego como disfarce, torna-se ele próprio assassino
em série, assassinando, cruelmente as suas vítimas e depois cortando-as em
pedaços que despeja no fundo do mar. Consegue recolher de cada um uma
amostra de sangue que guarda, religiosamente, como se tratassem de troféus.
Enquanto espectadora, isolo o mundo fantástico da ficção e interpreto-o de
maneira a caber no mundo real, para que não seja apenas uma ideia televisiva. O
meu imaginário, também conhecedor dos ideais da justiça, aceita a morte pela
morte no campo da ficção pois é totalmente impossível ser imune ao prazer de
ver o “mau da fita” ser castigado. Torna-se até inquietante estar do outro lado
do ecrã e não ter meios para agir e, por este motivo, alguém o faz por nós. Ainda
bem que assim o é.
Há três ideias a diferenciar: o “eu” com pensamentos tétricos, o “eu” assassino
e o “eu” justiceiro. Jamais saberemos identificar a percentagem de “mal” em
cada um deles pois não se trata de uma ciência exacta. Aquilo que sabemos é que
o homem depende de muitos factores para ser caracterizado, exclusivamente, como
“bom”. Os dois adjectivos, o preto e o branco andam sempre de braço dado e, por
vezes, complementam-se. Há que saber medir a quantidade de cada um
para alcançar um tom cinza harmonioso.