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quinta-feira, 2 de abril de 2015

A Metamorfose

“Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto.”


A primeira frase do livro “A Metamorfose” (1915) de Franz Kafka apresenta-nos um facto: um homem, Gregor Samsa, que sofreu uma transformação de homem para insecto. A história tem um carácter tão realista que quase nos esquecemos que tal é impossível. A fantasia desaparece. É-nos apresentado um homem demasiado preso ao seu emprego, representando, assim, a maioria da sociedade da época (e de hoje?). Um homem alienado da realidade, atingido pelos tempos de desespero e desorientação. Quando se transforma num bicho monstruoso, a sua rotina muda completamente. Impedido de trabalhar, passa todo o seu tempo em casa. A sua consciência pesa. Mas não por ele. Pela família. Mas não por amor. Por obrigação. Todos na família vivem à sua custa. É-lhes indispensável pois dependem totalmente dos seus rendimentos. Depois do “grande acontecimento”, essa situação muda. Gregor torna-se um parasita que, além de não suportar as despesas, ainda dá trabalho. A família viu-se obrigada a procurar trabalho e a preocupação com Gregor passou a ser nula. Nem a irmã, que inicialmente cuidou dele, conseguiu resistir à sua mudança física diária. O nojo levou-a a crer que aquele já não era o seu irmão. Passa os dias no quarto, rodeado de excrementos. Um cenário perturbante. 

Esta obra explora o comportamento humano de uma forma inquietante. O quotidiano é angustiante, abafado. O desejo de libertação de um emprego que odiamos, a frustração connosco, com o mundo e com os outros transforma-nos em insectos. Ou, pelo menos, deixa-nos no lumiar entre homem e bicho. Passamos de um “nada” para outro “nada” isolado do mundo. Um bicho ainda sensível à música (“Seria mesmo um animal, se a música o comovia àquele ponto?”). Um bicho que apodrece com uma maçã cravada nas costas, como se a sua vida enquanto homem nada tivesse significado…



1 comentário:

  1. Este livro é muito bom e tão real, apesar dessa transformação fantasiosa. É mesmo uma crítica à sociedade mesquinha e interesseira em que estamos inseridos. Essa mudança de corpo pode ser interpretada como uma doença. Quantas pessoas ficam a viver o resto das suas vidas numa cama e se tornam um fardo para a família? Acho que é mesmo isso que o Kafka quer mostrar e criticar.

    PS: Adorei esse desenho. Abstracto <3

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